ORACULO PROJECT
Não preste atenção a mim, mas preste atenção a minha arte!
Por Marc Pottier
Ainda é possível permanecer anônimo hoje? É possível eliminar os traços digitais e de geolocalização e evadir os radares dos motores de busca? Na era em que as pessoas procuram a fama a todo o custo e estão superexpostas nas redes sociais, por que alguém se esconderia por trás do nome Oraculo Project usando um pseudônimo e buscando anonimato?
Criar sob um pseudônimo é tão antigo quanto a humanidade. Ao fazê-lo, muitos queriam ou proteger suas reputações ou simplesmente suas vidas, ou escolheram essa opção para se reinventarem. Entre muitos outros, o escritor português Fernando Pessoa e seus muitos pseudônimos vem à mente, assim como o grupo musical francês Daft Punk e o artista plástico Bansky que também trabalham incógnitos. Neste mundo saturado de imagens nas redes sociais, o anonimato, paradoxalmente, quase sempre se revela como uma estratégia de marketing. Os artistas mantêm o mistério ao permanecerem invisíveis. O público, ao procurar descobrir quem está por trás destes personagens, instiga rumores o que acaba se tornando uma estratégia muito boa para gerar publicidade.
Mas ao escolher ser invisível, o Oraculo Project quer nos dizer: não preste atenção a mim, mas preste atenção a minha arte. Se o Oraculo Project escolheu o anonimato, é para abordar seu público de forma mais direta. Isso parece dizer: uma vez que você não sabe quem eu sou/nós somos, você não sentirá a tentação de procurar as razões pelas quais eu/nós mostramos o que você vê. Isto é um convite para você simplesmente se entregar a uma reflexão sobre o trabalho: é verdadeiro ou falso, isso me agrada ou não? Como eu quero vivenciar e talvez responder? O Oraculo Project não tem cor de pele, nem sexo - ele/ela/ eles podem ser o todo mundo.
Por outro lado, conhecemos claramente mais sobre a arte do Oraculo Project que utiliza o estêncil e o spray para criar trabalhos cujas mensagens escritas e desenhadas são impressas no chão. Para ele/ela/eles o chão é como um jogo de Monopólio e intervenções em espaços livres estrategicamente colocadas, com uma vista "inexpugnável", também são consideradas como os quadrados de um jogo de xadrez. Às vezes, há adesivos com uma palavra ou um texto destoante do lugar em que foram grudados, oferecendo uma crítica violenta à sociedade de consumo. Adesivos com a palavra "Tóxico", por exemplo, são aplicados às fachadas ou portas de entrada do McDonald's. Em outras ocasiões, pedaços de troncos de árvores em grandes metrópoles que foram selvagemente arrancados tornaram-se o sujeito do trabalho proposto. Depoimentos audiovisuais feitos com colagens usando uma quantidade aparentemente infinita de sequências fotográficas de celulares, tiradas como se fossem com uma metralhadora, aparecem para dar uma descrição do trabalho. Estes são vídeos de curta duração com ritmo irregular, geralmente acompanhados por uma trilha sonora original criada para bater a cadência. Vídeos mostram pontas de tênis caprichosamente pintados que aparecem para mostrar o nome Oraculo Project, e gradualmente guiar o espectador para o local onde a intervenção será realizada. Por enquanto, esses vídeos são divulgados em redes sociais. As obras do Oraculo Project também têm um toque de anti-conformismo político. Podemos inferir com cada trabalho uma orientação bastante social. Há uma denúncia do destino reservado ao meio ambiente e, especialmente como acabamos de ver, às árvores que são amputadas sem nenhum cuidado nas grandes cidades. O Oraculo Project se impressionou com a recente situação no Brasil que levou ao "impeachment" da presidente Dilma Rousseff, e mais recentemente, com os tweets fora de hora do presidente Donald Trump. No primeiro caso, esculturas comemorando grandes personagens nos jardins públicos do Rio de Janeiro, tiveram os olhos cobertos dor um pano vermelho. No segundo caso, o vídeo #shutupdonaldtrump em redes sociais convida o público a postar uma imagem pedindo que essa figura sardônica fique quieta.
Se o Oraculo Project revelasse muito sobre sua identidade, poderia perder parte de sua audiência. Graças a esse anonimato, o(s) artista(s) consegue(m) andar pelas ruas silenciosamente sem questionamentos dos fãs ou pessoas que contestem o seu ponto de vista. Este anonimato permite também que se cultive um mito que alimenta a imaginação de algumas pessoas. Também permite uma hiperatividade artística. Embora a maioria das obras apareça no Brasil, obras do Oraculo Project também são encontradas em Nova York, Miami e Europa. Por exemplo, neste verão, as obras foram vistas não só na Documenta em Kassel, Colônia (soubemos que o Projeto Oraculo teve que abandonar Münster durante o Skulptur Projekte, que faz lembrar as desventuras de Keith Haring, que foi perseguido pela polícia de Nova York no metrô) mas também na Bienal de Veneza, Paris e Berlim.
Oraculo Project:
A escolha de um pseudônimo desse tipo, obviamente, não é insignificante. Se, como fica bem entendido, o objetivo do Oraculo Project é o de usar uma linguagem forte e incontestável (esta parece ser a intenção) para ganhar credibilidade e respeito, deixemos imediatamente de lado a intenção de expressar a vontade de Deus anunciada por profetas e apóstolos. O objetivo aqui não é uma questão de usar a divindade como intermediária para o Oraculo Project. Tampouco há uma Cibele, a profetisa, nem uma Pítia, a sacerdotisa, que na antiguidade realizavam os desejos dos deuses . Aqui, o oráculo, parece-me, não é a resposta para uma pergunta pessoal colocada por um público que gostaria de conhecer o futuro, por exemplo. Ao invés disso, pode-se dizer que se trata do(s) artista(s) que, de maneira filosófica, faz(em) perguntas indiretas dirigidas ao público Aqui, a atração do oráculo não é semelhante a um culto, mas sim a um exercício na interpretação de obras organizadas no espaço público das cidades. Aqui o intermediário, o(s) artista(s), é/são humano(s) e não um Deus todo-poderoso, que dá a resposta. Pode-se, de fato, deduzir isto através das perguntas escritas no chão ou nas obras expostas. O Oraculo Project informa e fala no lugar de um deus que é, sem dúvida, apenas a própria espécie humana. As canções, a Eneida do Projeto Oraculo, são os relatos das provações pelas quais as nossas gerações estão passando, apontando um dedo para um mundo onde a natureza foi sacrificada e onde existe uma perigosa inconsistência nas classes políticas, ao mesmo tempo em que aborda a crítica de vidas que são muito rítmicas e na qual o homem esquece o tempo do tempo. Será que os trabalhos do projeto Oraculo são bons? Suas profecias levarão a um mundo melhor? O "Projeto" do " Oraculo Project" insiste neste advento, em um objetivo futuro para perceber que tudo permanece possível.
O Oraculo nasceu em 2010. Com a partida de um dos artistas que saiu para viver em outro país, o projeto permaneceu na surdina até o final de 2014. Naquela época, esta plataforma de criatividade foi reformulada e tornou-se mais experimental. Foi então que o nome atual Oraculo Project foi adotado.
Arte no Espaço Público
O leitor terá entendido que o trabalho está sempre situado no espaço público. Embora um estêncil pintado traga o nome, a assinatura da obra, o Oraculo Project não tem nada a ver com o que hoje se chama “Street Art”. Aqui, não há tag ou graffiti. O público descobre desde mensagens poéticas no chão, e árvores com galhos arrancados pintadas para mostrar o sangue saindo como se de braços amputados, até esculturas de grandes figuras históricas com olhos vendados, e adesivos críticos nas paredes de algumas empresas que simbolizam a sociedade de consumo ... além de vídeos bem produzidos que mostram alguns dos pensamentos e ações realizados pelo Oraculo Project nos espaços públicos de redes sociais.
J’accuse!
O Oraculo Project, através do seu engajamento, é um símbolo da eloquência colocada ao serviço da defesa do Homem e da verdade. Ela/ele/eles devem vestir o hábito do acusador público. O Oraculo Project acredita que não somos gratos o suficiente a tudo que a vida oferece, pensa que vivemos "rapidamente demais". Muitos já não vivem o momento presente e apenas correm atrás de dinheiro e reconhecimento, somos convidados a pensar. Mas cuidado com as expressões simples. Elas não são ingênuas. Elas lembrar uma espécie de haiku livre que vai direto ao ponto. O Oraculo Project não descreve somente coisas. Os textos, com mais frequência, traduzem uma sensação, como uma espécie de instantâneo. Isso pode exprimir ou não uma emoção, um sentimento passageiro. A escrita é rápida e concisa e não exclui o humor. Os textos podem ser lidos de uma só vez e encorajam a reflexão. E isso tudo funciona, baseado nas mensagens postadas nas redes sociais agradecendo ao(s) artista(s) por um momento de reflexão oferecido a um público que foi assim conquistado.
“Pare aqui, aprecie a vida por uma minuto e sorria”.
“Pare aqui, faça um pedido, vá embora e faça acontecer”.
"Right place, right time”. (Lugar certo, hora certa.)
“Quando eu estava aqui, me encontrei pensando em você”.
“Love is the key.” (O amor é a chave.)
“Déjà vú” ...
Essas frases, aparentemente carinhosas, são, de fato, uma crítica ácida ao mundo das grandes cidades onde todos fogem, esquecendo-se muitas vezes do essencial, um mundo enrolado nas telas virtuais. O Oraculo Project o convida a questionar.
A acusação também pode ser muito mais violenta e radical. Assim, o sangue (tinta vermelha) jogado nas muitas fatias que foram arrancadas de troncos de árvores pelo mundo, mostra a falta de respeito à Mãe Natureza em proporções de arrepiar. O Oraculo Project registrou e terá intervindo, somente na cidade do Rio de Janeiro, em mais de 500 árvores maltratadas porque muitas vezes dificultavam a passagem. Esta assinatura é encontrada em Nova York, Miami, Londres, Berlim, Paris, Amsterdã e Kassel.
A "comida porcaria" e a padronização dos alimentos propostos pela sociedade de consumo para um público com poucos meios têm sido objeto de inúmeros debates. O Oraculo Project gruda adesivos "Tóxico" nas portas e paredes do McDonald's. Porém a mensagem é entendida? Em vídeos que testemunham as reações dos consumidores vemos tanto um público indiferente e apressado, que não vê a palavra chocante, como também aqueles que passam rindo. Embora, muitas vezes, as árvores sangrentas tenham sido logo removidas, deixando dúvida se isso havia ou não sido planejado, a falta de reações também desconcerta. Se as esculturas vendadas receberam aplausos internacionais e a consagração de bons canais informativos de televisão, por outro lado, o #shutupdonaldtrump ainda não parece ter encontrado seu público.
Mas o Oraculo Project tem tempo pela frente. Ele assumiu um desafio imenso. Ele sabe como abordar-nos com eficiência e o respeito pela imaginação das propostas nos surpreende. É um trabalho prolongado que nos leva, em nosso caminho, sutilmente pela mão, nos convidando a parar e repensar um pouco o mundo. Esperamos encontrar o Oraculo Project qualquer hora dessas na esquina da nossa rua.
Marc Pottier
Setembro de 2017